O solo nunca para de migrar
Em 2015 realizei pela primeira vez em Florianópolis um trabalho artístico que chamei de “jardim de torrões”. O trabalho consistia na realização de um jardim composto por torrões e plantas que vinham de diversos jardins, terrenos ou quintais de moradores das imediações do espaço expositivo “O sítio”, no bairro da Lagoa da Conceição.
Todos os torrões foram doados por pessoas anônimas, mediante um pedido/convite que se fazia através da palavra, de porta em porta. Sendo concedida minha entrada, adentrava o quintal, terreno ou jardim, e em companhia de seu jardineiro ou proprietário, escolhia com ele uma planta. A planta era então cuidadosamente retirada com ajuda de uma pá. Aprendi que quanto menos se machucassem as raízes, e maior fosse a porção de terra do torrão (a morada da planta), maiores as chances da planta sobreviver ao processo de deslocamento.
Os torrões, junto com as plantas, eram em seguida carregados sobre as pás até o espaço expositivo, onde permaneciam sobre as mesmas pás, compondo esse outro jardim - um jardim feito de relações entre múltiplas espécies e lugares.
Realizei jardim de torrões pela segunda vez em 2018, na cidade de Itajaí, na casa cultural Burghardt. Nessa ocasião, fui buscar plantas em diferentes bairros da cidade, imaginando com elas e com a terra, criar associações materiais e simbólicas dentre distintos territórios da mesma cidade.
Agora, em 2020, inesperadamente me vi repetindo esse mesmo gesto de deslocamento de plantas e terra: do jardim de minha avó recém falecida, na cidade de Lontras, para o jardim de minha mãe, na cidade de Florianópolis, numa distância de aproximadamente 245 km dentre as duas localidades.
Enquanto me movimentava e arrancava gérberas coloridas da terra com a enxada, tentando resgatá-las da possibilidade do abandono ou da morte, pensei no quanto a experiência de ter feito jardim de torrões alguns anos antes havia me preparado para enfrentar tudo aquilo. Amarrar lugares, conectar seres e coisas vinculadas a terra é como animar e dar continuidade a vida.