Siens (Seios) para Sequana | 2020 | Instalação
Peças de cerâmica, fio de barbante desfiado e cachos de uva secos.
Trabalho realizado durante residência artística em ENSA, Dijon (França) e exposto no Musée de la Vie Bourguignonne (Dijon).
Sequana era a deusa Gaulo-romana ligada à nascente do rio Sena, cultuada particularmente pela tribo gaulesa dos sequanos. As nascentes chamadas fontes sequanae estão localizadas no noroeste de Dijon, na região da Borgonha, na França, onde o templo para culto de Sequana foi construído entres os séculos I e II AC. Neste local foi encontrado um grande vaso de cerâmica com o nome da deusa escrito em vermelho em seu gargalo. Em seu interior, além de um vaso menor, repleto de moedas, havia centenas de pequenos ex-votos em bronze e prata de modelos de partes do corpo humano. Segundo estudos baseados em vestígios arqueológicos, acredita-se que os ritos realizados pelos devotos, consistia em banhar-se nas águas sagradas da nascente para purificar-se e também em depositar no santuário imagens anatômicas correspondentes às partes do corpo das quais se solicitava ou se obtinha a cura por intermédio da divindade.
Hoje, nessa mesma região onde a deusa Sequana era venerada, muitas coisas mudaram – a começar pelos deuses, que já não são mais os mesmos, assim como as cidades e os modos de vida no geral. Por outro lado, algumas tradições permaneceram, uma delas é a viticultura, que
por conta de um conjunto de atributos naturais, próprios daquele lugar, conhecidos pelo nome de terrois, consagram a excepcionalidade do território para a produção de produtos agrícolas, e em especial para a produção vitícola. Sendo um negócio extremamente rentável, as monoculturas de uva se estendem por vastas porções de terra na região, e o que antes era compartilhado por povos de uma geografia mais restrita, numa lógica coletivista e familiar, hoje, cada vez mais, está em mãos de investidores milionários cuja produção atende a mercados internacionais espalhados por todo o mundo.
Pensando na antiga identificação e antropomorfização da natureza com o feminino, e de como essa relação conecta a história das mulheres à história do meio ambiente (e atualmente, às lutas ecológicas ligadas ao ecofeminismo que denunciam o uso e a exploração tanto da Terra como do corpo feminino). Realizei essa peça na tentativa de criar um diálogo com o passado mítico da região e a questão atual da exploração da terra por meio da monocultura. Os seios, modelados em argila, são oferecidos para a deusa, numa espécie de revisitação do rito praticado na antiguidade. A escolha dessa parte do corpo feminino se deve especialmente a sua identificação com as simbologias ligadas à fertilidade da mulher em analogia com a fertilidade da natureza. Os cachos de uvas secos foram todos coletados ao longo de caminhadas feitas por diversos vinhedos da região da rota dos grads crus, na Borgonha.